Veja o que dizem os economistas sobre a PEC 241
Até pouco tempo, a discussão sobre contas públicas não ganhava muito destaque no noticiário. Recheada de termos técnicos e números, ficava praticamente restrita aos escritórios de economistas e gabinetes de políticos. Com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, conhecida como a PEC do Teto dos Gastos, no entanto, o tema é motivo de discussões acaloradas nas redes sociais e no Congresso.
Entre os economistas, não há consenso. Há aqueles que afirmam que a medida é necessária para retomar o equilíbrio entre gastos e receitas do governo. Outros dizem que seus efeitos são controversos e imprevisíveis. Fica claro, contudo, que a PEC, se aprovada, será apenas a primeira reforma. Será necessário fazer outras, como a da Previdência, para que seja possível respeitar o limite de gastos.
A PEC congela o total de gastos primários do governo, em termos reais, pelos próximos 20 anos, com a possibilidade de revisão do cálculo em 10 anos. O governo pode alterar a forma como distribui seus investimentos, mas o valor total fica limitado ao gasto do ano anterior, mais a inflação. A proposta foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados, com 366 votos (eram necessários 308 votos) a favor e 111 contrários. Agora, vai para segunda votação nesta terça-feira (25/10), e, se aprovada, irá a votação, também em dois turnos, no Senado.
“Nos últimos anos, os gastos cresceram sistematicamente ao dobro da velocidade da atividade econômica e produção. Esse crescimento é um fato insustentável e explica a dificuldade de combater inflação e a necessidade de juros elevados”, afirma Samuel Pessoa, economista do Instituto Millenium e professor do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE). Esse aumento de gastos, acima do ritmo de crescimento das receitas, fez com que o governo gastasse mais do que arrecada.
O governo defende que a PEC é necessária para tirar o país dessa situação. Desde 2014, o Estado brasileiro gasta mais do que arrecada. Em 2015, o governo registrou déficit primário de R$ 114,98 bilhões. Para 2016, o governo se colocou como meta alcançar um déficit de até R$ 170,5 bilhões. “As contas públicas foram destruídas, a responsabilidade fiscal foi jogada no lixo no governo anterior, e a PEC é uma forma de retomar a responsabilidade antes que seja tarde, porque se nada for feito, em algum momento o país perderá as condições de honrar sua dívida, o que seria um desastre completo”, afirma o economista Gustavo Loyola.
Nos últimos anos, o governo brasileiro conseguiu estimular o crescimento com investimentos públicos. Contudo, especialistas alertam que essa estratégia se esgotou. “O governo não pode estimular a economia com dívida, isso é insustentável, só gera uma situação macroeconômica cada vez mais frágil, o que aumenta o risco e prejudica o crescimento da economia”, diz Loyola.
Para o economista Raul Velloso, a proposta não é uma solução completa, mas um primeiro passo na direção correta. “Inteiramente, não resolve, mas ajuda. Não existe uma medida isolada que pode resolver tudo. A PEC traz alguma disciplina para os gastos, e é uma forma de dar um sinal de que agora os gastos vão ser contidos”, diz.
“A PEC é um bom começo, é simples, tenta sair do detalhe para buscar uma medida mais abrangente e de fácil entendimento”, aponta Gustavo Loyola. Outra questão considerada positiva por alguns é o fato de que, para gerar superávit, não há opção que não seja cortar gastos. “Antes, o aumento dos gastos era compensado com imposto e dívida. Todo mundo empurrava a conta para o contribuinte”, diz Samuel Pessoa, do IBRE.
Por ter vigência de 20 anos, a proposta também serve para acalmar o mercado quanto a questões políticas. “Limitar é positivo quando se olha para médio e longo prazo – não se sabe quem vai ser o próximo governante, e nesse sentido a PEC funciona como um seguro”, afirma Bruno Lavieri, sócio da 4E consultoria.
Um ponto criticado na PEC 241, contudo, é sobre a indexação dos gastos à inflação passada. Rafael Leão, economista-chefe da Parallaxis, explica que “no curto prazo, vai haver aumento de gastos. Se você pensar nos próximos dois anos, teremos provavelmente inflação declinante, e os gastos, ajustados pela inflação passada, vão crescer em termos reais”.
Outra questão apontada pelos críticos à PEC é que a proposta não considera o aumento da demanda por serviços públicos – resultado do crescimento populacional. Com a população brasileira crescendo, mais pessoas precisarão usar os serviços públicos de saúde e educação, por exemplo. Com isso, ao longo dos 20 anos de vigência da regra, o gasto per capita em termos reais, vai cair. Segundo o Conselho Federal de Economia (Cofecon), ao congelar o valor real das despesas primárias da União por 20 anos, haverá uma retração real per capita de 9,2% nos gastos, com base nas projeções populacionais do IBGE.
O Conselho divulgou uma nota em que critica a forma como foi proposta a reforma. Segundo a entidade, o Novo Regime Fiscal “joga o ônus do ajuste sobre as camadas mais carentes de recursos e de oportunidades e provoca redução de direitos sociais já alcançados dentre os estabelecidos em nossa Constituição”. Em troca, a entidade defende limitar as despesas correntes (que incluem o pagamento de juros da dívida) a uma porcentagem do PIB, e que essa porcentagem pudesse ser alterada a cada novo governo.
Segundo a nota do Cofecon, os gastos públicos primários do governo têm contribuído para diminuir as desigualdades, “o que pode ser comprometido com o atual formato da PEC 241”. Contudo, na política tributária e monetária, a atuação do estado tem contribuído para acentuar desigualdades, afirma o Cofecon. Dessa forma, o Conselho defende que uma forma de atuar sobre o déficit seria pela redução dos gastos com o serviço da dívida e aumentando a arrecadação, elevando a tributação sobre os mais ricos, o que “seria mais eficiente por prejudicar menos o crescimento econômico, na medida em que preservaria mais a demanda agregada, pois esses contribuintes não precisam retrair seu consumo se ganharem menos juros ou pagarem mais impostos”.
Se for aprovada, a sustentabilidade da PEC 241 depende de outras reformas. A mais urgente, talvez, seja a da Previdência. José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio, ressalta que a PEC não altera a estrutura dos gastos, só limita a despesa total. “Como os gastos com previdência crescem sistematicamente acima da inflação, sem uma reforma, no fim de 20 anos, uma parcela enorme do gasto vai ser destinada a pagar aposentadoria e pensões”, diz.
“A previdência é um item com peso muito grande no gasto total, e tem um ritmo de crescimento real entre 3% e 4% ao ano. Se nada for feito, isso vai exigir um corte praticamente impossível [em outras áreas]”, diz Velloso. “Vamos ver reformas, principalmente da previdência, e ver o que o governo deve anunciar em termos de peças auxiliares. Acho que deve haver tratamento específico para cada grande bloco dos gastos”, afirma.
O economista Samuel Pessoa defende que as sanções no caso de descumprimento do teto podem gerar pressão da sociedade por reformas. “Se o governo não fizer as reformas necessárias, o gasto público vai superar o teto, e isso tem uma série de consequências. Os formuladores da PEC imaginaram, eu acho que corretamente, que essas consequências todas vão criar uma pressão política por reformas”. Ou seja, se o teto for rompido, o governo estará sujeito a diversas sanções, como a proibição de reajuste de remuneração de servidores, de realização de concurso público e de criação ou expansão de programas e linhas de financiamento. “Essas proibições vão causar problemas, e esses problemas vão gerar uma força pró-reforma na sociedade”, explica.
Um impacto imediato e inegável da PEC é sobre as expectativas do mercado financeiro. A proposta sinaliza maior responsabilidade quanto aos gastos, e abre pouco espaço para alterações nos próximos 10 anos. Para o mercado financeiro, essa estabilidade é entendida como uma redução do risco ao investir no país.
Para Bruno Lavieri, a ação sobre as expectativas do mercado é um dos pontos mais positivos da PEC. Ao reduzir a percepção de risco, o mercado avalia que é necessário menor remuneração sobre os investimentos – os juros. Ou seja, a aprovação da PEC tem um efeito de queda nos juros futuros de longo prazo. Isso, além de incentivar investimentos, reduz o custo de carregamento da dívida.
Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da corretora Nova Futura, concorda que é um grande benefício da proposta. “Não sei exatamente quais serão os efeitos líquidos da PEC sobre a economia brasileira, mas uma coisa eu sei: efeitos dessa PEC sobre as expectativas do mercado são claros e inquestionáveis”, diz.
A PEC também altera o cálculo do reajuste do salário mínimo. Antes, o valor para cada exercício era calculado com base no crescimento do PIB e na inflação do ano anterior. Agora, o salário mínimo deixará de ter aumento real (acima da inflação) se o limite de despesas fixado pelo governo for superado.
“Nos últimos anos, foi o grande driver que levou à queda da desigualdade, e o principal motor do consumo. Agora, vemos um ajuste bastante forte no mercado de trabalho, com queda do salário real, o que coloca em cheque o consumo doméstico”, afirma Rafael Leão, da Parallaxis. Contudo, o modelo de crescimento econômico pelo consumo interno dá sinais de esgotamento. “Não vejo a demanda interna como propulsora da retomada, via o setor externo ou investimento em infraestrutura do setor público”.
Para Velloso, o modelo de crescimento pelo consumo se esgotou, e por isso a alteração do reajuste do salário mínimo não terá grande impacto sobre a atividade econômica. “A demanda virá de outra variável, com a melhora na percepção de risco, caem as taxas de juros, o que aumenta demanda de investimento privado, e isso pode compensar efeitos depressivos”, explica.
Alguns dos especialistas consultados defendem que a mudança pode ter impactos positivos no mercado de trabalho. Lavieri afirma que “nos últimos anos, o salário mínimo vinha crescendo mais do que o natural, mantendo-se a regra de reajuste do salário mínimo, isso iria gerar mais desemprego”. “Nesse sentido, mudar a regra de reajuste é positivo porque evita distorções e permite desemprego em nível mais baixo”, afirma.
José Márcio Camargo, da PUC-Rio, concorda que seria prejudicial manter o cálculo anterior. “Em um cenário de recessão, se o salário mínimo não cai, gera mais desemprego, e isso é uma das razões pelas quais o desemprego cresceu tão rapidamente nos últimos dois anos”, diz.
A proposta coloca um limite quantitativo nos gastos, mas não determina como esses recursos serão alocados pelo governo. Para Raul Velloso, não era possível abordar a questão da qualidade nesse momento. “A demanda por ajuste é tão forte que se for gastar energia com questão de qualidade do gasto, a discussão vai se perder. A palavra de ordem no momento é ajuste”.
Rafael Leão, da Parallaxis, defende que deveriam ser criados indicadores qualitativos para as despesas do governo. “Não podemos achar que o desperdício vai ser erradicado, é preciso melhorar o tipo de gasto”, afirma. “O Brasil é tão deficitário em infraestrutura, e o gasto nesse setor seria um grande propulsor de crescimento. Por isso é importante ter metas de qualidade, porque você pode encontrar áreas onde há espaço para reduzir o gasto e aumentar em outras áreas onde o multiplicador é maior”, diz.
Gustavo Loyola, contudo, afirma que a maior qualidade dos gastos pode ser um resultado secundário da PEC. “Na medida em que os recursos estão mais limitados, é preciso ser mais criterioso, e pode haver uma consequência na qualidade dos gastos. Em tese, é um grande indutor a gastar melhor”, afirma o economista.
Ele não é o único a defender que a restrição pode resultar em melhor qualidade. Samuel Pessoa diz que “a discussão do orçamento vai passar a ser importante”. Segundo ele, como antes não havia limite, a questão não era tão debatida no Congresso. “Com o teto, vai melhorar muito a discussão do orçamento, e o subproduto de o Congresso olhar a questão com mais atenção é uma melhora na qualidade do gasto”.
José Márcio Camargo também é otimista nesse sentido. “De alguma forma, o Congresso vai precisar refletir os anseios da população – se aumentar os gastos com uma coisa, vai ter que diminuir com outra, em vez de aumentar dívida ou imposto”.