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Único homem trans no MMA faz sua última luta antes de tomar hormônios

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Cris sempre teve que escolher entre ser quem é ou fazer o que ama. Hoje, escolheu ser quem é, e com isso encerra um ciclo de 15 anos subindo nos tatames, ringues e octógonos em categorias femininas das artes marciais.

Aos 28 anos de idade, seis deles se reconhecendo e três se apresentando como um homem transgênero, o mineiro decidiu finalmente iniciar um processo de hormonização e cirurgias, por isso vai lutar MMA contra uma mulher pela última vez neste sábado (13), num evento em Três Rios (RJ).

Primeiro e único atleta da modalidade que se reconhece publicamente como tal, Cris Macfer não quer que outros tenham de fazer a mesma escolha, por isso daqui para frente pretende liderar um movimento pela inclusão das categorias “T”, exclusivas para pessoas trans, em competições do esporte.

“O MMA está muito atrasado e é a modalidade de combate mais visada, com maior reconhecimento e mais mídia. Então, se abrirmos esse caminho ali, vai haver uma abertura também em outras modalidades. É árduo, mas precisa começar”, planeja ele.

O currículo do lutador inclui quatro especialidades, com três títulos mundiais no hapkidô won kisul (arte sul-coreana focada na defesa pessoal) e dois no jiu-jitsu. Também tem o “prajied” (espécie de laço) preto no muay thai e está em fase de homologação da faixa preta no taekwondo.

A primeira barreira no esporte veio aos 14 anos. Foi expulso do projeto social no qual aprendeu a lutar quando assumiu a relação com uma colega da equipe e viu o falatório na pequena Ervália, cidade de 20 mil habitantes a quatro horas de Belo Horizonte, se tornar insuportável.

Até então achava que era lésbica, porque assistiu Thammy Miranda se assumir como tal na TV. Nessa época já havia sofrido um abuso sexual e ouvia rotineiramente os apelidos de “maria-homem, maria-macho e sapatão” na escola e quando rodava pelas ruas na sua bicicleta azul e prata.

A consciência de gênero chegou junto com as artes marciais. “Elas têm o poder de fazer você se voltar para o outro e para si mesmo, entender seus potenciais e fraquezas. Todo o meu processo para me descobrir foi muito por conta disso”, diz Cris.

Também se deu num contexto em que “vlogs” de pessoas trans contando suas histórias se popularizaram, com o próprio Tammy e o ator Tarso Brant se assumindo como homens. “Se não fosse a mídia, até hoje não saberia quem sou”, afirma.

Daí até se apresentar no masculino foi outro processo. Teve que colocar na balança os então nove anos de carreira e os patrocinadores e apoiadores que poderia perder em Viçosa (MG), onde passou a maior parte da vida e mora até hoje.

No fim, decidiu seguir o conselho que ouviu da mãe desde pequeno. “Ela sempre me falou: não importa quem você seja, estude, abasteça-se de informações e saiba que o mundo lá fora é cruel. Se você não se preparar, vai sofrer dobrado.”

Concluiu a graduação em educação física na universidade federal da cidade apresentando um trabalho sobre transgêneros em modalidades de combate. E então, assumiu-se.

A essa altura já tinha montado uma escola e um instituto de artes marciais com seu sobrenome, hoje com sedes físicas em Viçosa e na vizinha Cajuri. Para preservá-los durante a pandemia, rodou de moto pela cidade dando sete aulas particulares por dia.

“Tinha que manter o sonho vivo. Não era a sobrevivência de uma escola, mas de um ideal de vida, uma crença em algo muito maior. Criei o projeto porque via as artes marciais sendo comercializadas de forma muito vazia, sem essência”, acredita.

É a mesma essência que o faz hoje decidir parar de lutar antes de começar a tomar hormônios, o que o enquadraria no doping.

“Não temos antidoping na grande maioria dos eventos, eu mesmo nunca passei por um, mas vai do caráter e da estratégia de cada um. Sou muito criterioso na mensagem que vou passar para as pessoas, luto por um esporte justo e acessível, então não vou fazer isso”, justifica.

A discussão sobre o tema no MMA é antiga e já gerou muita polêmica. A maior delas estourou em 2014, quando a atleta americana trans Fallon Fox fraturou o crânio da filipina Tamikka Brents, que disse publicamente que Fox era mais forte que qualquer mulher.

O assunto voltou à tona em 2018, ano em que a amazonense Anne Viriato protagonizou a primeira luta profissional de uma trans contra um homem cisgênero de que se tem notícia. Há dois meses, a estreante americana Alana McLaughlin também derrotou uma mulher e foi alvo de transfobia.

“A sociedade vem resistindo a atletas trans porque não temos trazido as informações com cuidado, de forma científica e didática. É difícil julgar, porque elas [lutadoras trans] querem fazer o que amam e, sem categorias específicas, não têm para onde ir”, opina Cris.

A grande questão em jogo é se é justo e seguro, em esportes de extremo contato e com riscos físicos às oponentes, que uma pessoa que nasceu biologicamente com o corpo de um homem, mesmo que tenha feito tratamento hormonal, lute contra mulheres.

Atualmente, existem dois regulamentos. O Comitê Olímpico Internacional diz que homens trans podem apenas se declarar como tal, mas mulheres trans precisam manter sua testosterona em determinado nível a um ano da competição –regra de 2003 que o COI já admitiu não ser adequada.

A Association of Boxing Commissions (ABC), por sua vez, que regula o boxe e o MMA, exige a hormonização tanto para homens quanto para mulheres trans.

Elas, porém, precisam passar pelo processo por ao menos dois anos e fazer a cirurgia de redesignação de sexo.

“Para mim tem outras variáveis que deveriam ser levadas em conta”, diz Cris. “Não me assegura que com dois anos de tratamento vou estar apto a lutar com um homem cis que teve um parâmetro diferente do meu a vida toda. Não é só físico, é psicológico, emocional, social.”

O atleta defende que, hoje, transexuais que não tomaram hormônios lutem seguindo seus gêneros biológicos, mas sendo respeitados pelo que são. Já os que passaram pelo processo por determinado tempo ou nível se enquadrariam nas novas categorias trans.

Sem referências e com poucos estudos no MMA, ele vai usar a própria hormonização no ano que vem, acompanhada por um médico, como objeto de um projeto de pesquisa que inscreveu na universidade de Viçosa. “Quero me resguardar para que possa seguir fazendo o que amo.”

Júlia Barbon/FOLHAPRESS

Foto: Divulgação

Redação por Bernardo Andrade

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Eric Lima

Criador do Portal Pontual

Mestrado em Saúde, Sociedade e Endemias na área de concentração de Epidemiologia de Agravos e Prevalentes na Amazônia pelo instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/FIOCRUZ), Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Universidade Federal do Pará (UFPA - 2013). Tem experiência em pesquisa na área de Epidemiologia, Saúde Coletiva com ênfase em Saúde Pública, Avaliação de Serviço em Saúde e Saúde Baseada em Evidências, desenvolvendo estudos nos temas: Tuberculose, Resistência aos fármacos, Tuberculose Multirresistente, Coinfecção TB/HIV.

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