Restos de uma melancia sem semente, de uma fatia de pizza, de um hambúrguer ou de ossos de galeto compõem o ensaio fotográfico “Mercado da Fome”, do pernambucano Flávio Costa, que viralizou nas redes sociais neste mês.
Etiquetados com preços e embalados com plástico, os restos de comida das fotos foram produzidos por Costa, mas isso não está tão distante da realidade brasileira atual, em que a fome parece ter se tornado um negócio.
“Soube que há mercados e açougues vendendo ossos e carcaças de peixe. Fiquei indignado, porque sabemos que isso era, até então, doado. Ou seja, viram na fome uma oportunidade de dinheiro. Pensaram ‘se estão procurando osso, vou vender em vez de doar'”, diz Costa.
Em meio à crise econômica gerada pela pandemia da Covid-19, a fome é um problema crescente no país e casos como os citados pelo fotógrafo têm sido recorrentes. No final do mês passado, imagens de pessoas disputando ossos, num caminhão lotado de restos de alimento, no Rio de Janeiro, ganharam as manchetes do Brasil.
Embora não seja proibido vender ossos, autoridades sanitárias desaconselham a prática e têm agido para impedir os estabelecimentos. O Procon de Santa Catarina, por exemplo, determinou a suspensão da cobrança sob pena de prática de “vantagem excessiva”, segundo prevê o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor.
A venda de sobras de comida pode ser lida ainda como desrespeito e risco à proteção da vida, saúde e segurança do consumidor.
Ainda assim, não é difícil encontrar mercados e açougues brasileiros vendendo restos de alimento e lucrando com a fome de inúmeras pessoas. Não é a toa que “Mercado da Fome” foi confudido com fotos reais e causaram choque nas redes sociais.
“Sem legenda, as fotos são críveis”, afirma o pernambucano. “Se você não explica nada, coloca a bandeja, com restos de comida, sendo vendida, as pessoas acreditam, porque estamos vivendo esse absurdo.”
O fotógrafo conta que, diante da enorme repercussão das fotos nas redes sociais, precisou contextualizar o ensaio e explicar que se tratavam de imagens produzidas como forma de protesto ao momento atual.
“Para o governo Bolsonaro, a fome não existe”, diz ele. “Segundo o próprio presidente, ninguém passa fome. A ministra da Agricultura já disse que no Brasil não se passa fome, porque tem muita fruta. O nosso país está abandonado, jogado à própria sorte. Mas quem tem fome tem pressa.”
Costa conta que viu recentemente um mercado perto de sua casa com sensor de alarme na seção de carnes. “Quero passar lá, filmar e postar”, diz ele, que também critica a rede Extra por entregar bandejas vazias numa zona periférica da capital paulista. O mercado entregava a carne só após o produto ser pago no caixa e será multado pelo Procon local.
Por Marina Lourenço/FOLHAPRESS
Foto: Divulgação
Redação por Bernardo Andrade