Principal aliado de Jair Bolsonaro (sem partido) no Legislativo, o deputado federal Arthur Lira (PP-AL) é apontado por governistas e opositores, por ora, como o favorito para vencer a disputa de fevereiro de 2023 e seguir no comando da Câmara, mesmo sob um possível terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Articulador do centrão, Lira tem como maior trunfo o controle sobre a distribuição de bilionárias verbas das emendas parlamentares. Além disso, lidera ao lado da oposição a reação do mundo político à Lava Jato.
A avaliação de parlamentares aliados e da oposição é a de que, a não ser que haja uma reconfiguração relevante de poder das bancadas nas eleições de 2022, o centrão continuará tendo papel fundamental no Congresso, independentemente de quem seja eleito para a Presidência da República.
E, dentro do centrão ou fora dele, não há hoje nome que rivalize com Lira, cuja candidatura à reeleição é tida como certa no mundo político.
O deputado do PP foi eleito em fevereiro deste ano com o apoio de Bolsonaro.
Em sua gestão, centralizou em torno de si a distribuição a deputados das emendas parlamentares a cargo do relator-geral do Orçamento.
Diferentemente das emendas individuais e coletivas, cuja distribuição é igualitária e a execução, obrigatória, as emendas de relator (que têm a rubrica RP-9) são divididas mediante critérios políticos e muito pouco transparentes.
Elas passaram a valer em 2020. Naquele ano, foram R$ 20 bilhões. Em 2021, ficaram em R$ 16,8 bilhões. O valor para o ano que vem ainda não está definido. A previsão atual é de R$ 16 bilhões, mas o centrão trabalha para inflar a rubrica.
“Lira é o favorito porque controla um orçamento de R$ 11 bilhões [a RP-9 é dividida entre Câmara e Senado] de investimento. Nenhum candidato a presidente tem esse cacife. É loucura enfrentar”, afirma Elmar Nascimento (DEM-BA), segundo quem esse favoritismo se dará sob Bolsonaro, Lula ou qualquer outro vencedor da disputa em 2022.
De acordo com a última pesquisa do Datafolha, de setembro, Lula lidera a corrida presidencial com 44% das intenções de voto. Bolsonaro tem 26%.
“O presidente eleito em 2022 vai conviver com ele [Lira] por pelo menos 30 dias [a posse presidencial é em 1º de janeiro de 2023. A eleição na Câmara é em 1º de fevereiro]. Então, é melhor sentar e ajustar do que enfrentar. Nenhum candidato de direita ou de esquerda terá maioria na eleição da Câmara. Será um candidato do centro, que é onde ele [Lira] opera e tem muita força”, diz Elmar.
Com o poder de distribuição e também de liberação, devido à influência no Executivo -o ministro da Casa Civil é Ciro Nogueira (PI), presidente licenciado do PP-, Lira formou não só uma base suprapartidária de apoio na Câmara.
O dinheiro das emendas é um dos principais combustíveis usados nas campanhas de deputados à reeleição, pois ajuda a irrigar suas bases com obras de infraestrutura e outros benefícios.
Ou seja, Lira possivelmente terá ao seu lado a fidelidade de um pelotão de parlamentares reeleitos, em boa medida, graças a ele.
“Não tenho dúvida de que o Arthur vai ser um grande eleitor para muita gente no ano que vem. E nada leva a crer que a bancada do PP vá recuar. Não tenho a menor dúvida de que ele é favorito”, diz o deputado Orlando Silva (PC do B-SP). “Ele larga na frente, qualquer que seja o resultado da eleição presidencial.”
Procurado por meio de sua assessoria, Lira não se manifestou.
O arco de apoio em torno do presidente da Câmara lembra a estratégia implementada por Eduardo Cunha (MDB-RJ). O emedebista recriou o centrão (outro grupo com o mesmo nome atuou no Congresso durante a Constituinte) sob seu entorno em 2014.
Os principais partidos, além do MDB, eram PP, PR (atual PL) e PTB. Cunha, então líder do MDB, ajudou a eleger deputados de vários partidos em 2014 ao distribuir doações empresariais entre eles.
Em sua fracassada tentativa de fechar um acordo de delação na Lava Jato, o emedebista disse ter arrecadado R$ 270 milhões em um período de cinco anos para repartir com correligionários e aliados, sendo 70% via caixa dois.
Com o apoio angariado, Cunha derrotou o candidato do Palácio do Planalto em 2015 e se elegeu presidente da Câmara. Ele foi um dos artífices do impeachment de Dilma Rousseff (PT), no ano seguinte, mas acabou afastado do cargo e do mandato pelo Supremo Tribunal Federal em meio às investigações da Lava Jato.
Cassado pela Câmara, Cunha foi preso em outubro de 2016. Em maio deste ano ele obteve o direito de responder em liberdade a acusações que ainda tramitam na Justiça.
Apesar da proximidade com Bolsonaro, Lira é considerado favorito também por integrantes da oposição, incluindo deputados do PT, que afirmam ser possível -alguns falam o termo “provável”– um eventual governo Lula apoiar a reeleição do atual presidente da Câmara.
“Não vejo na oposição nome que possa agregar. Ainda é muito cedo, mas acho que ele é favorito, não tenho dúvida nenhuma disso, independentemente de quem vença a eleição para presidente”, diz o deputado Julio Delgado (PSB-MG).
Ele lembra que os partidos que compõem o centrão têm histórico de governismo, à direita e à esquerda. “Não tenho dúvida de que fatalmente o PP vai fazer parte da base do futuro governo.”
Embora esteja no grupo político contrário do de Lira, a oposição caminhou lado a lado com o presidente da Câmara em algumas pautas, especialmente aquelas usadas para retaliação à Lava Jato -Lula ficou preso 580 dias em decorrência de condenação oriunda da operação- e blindagem ao mundo político.
As bases da aliança contra a operação foram forjadas antes de Lira ser eleito presidente. Como líder do centrão, o deputado ajudou, em 2019, a desidratar trechos importantes do pacote anticrime.
O projeto era bandeira do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, responsável por condenar Lula no processo do tríplex de Guarujá (SP).
Já no comando da Câmara, Lira e a oposição se uniram no projeto que fragilizou a antiga Lei de Improbidade Administrativa, ao exigir a comprovação de intenção de lesar a administração pública para que o ato fosse configurado.
O texto, de Roberto de Lucena (Podemos-SP), foi relatado pelo petista Carlos Zarattini (SP) e é considerado por críticos um retrocesso no combate à corrupção, já que as punições se tornam mais difíceis. Lira já foi condenado em duas ações de improbidade administrativa na Justiça de Alagoas.
A parceria ficou mais explícita na tentativa de aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que mudava a composição do Conselho Nacional do Ministério Público, órgão responsável por realizar a fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do Ministério Público e de seus membros.
A PEC foi apresentada pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e, entre outras alterações, aumentava o número de integrantes indicados pelo Congresso no conselho, além de possibilitar que o corregedor do órgão pudesse vir de fora do Ministério Público.
O texto se insere em um contexto de reclamações da classe política de uma suposta inação do conselho em relação aos desvios de integrantes do Ministério Público.
A insatisfação com o CNMP aumentou principalmente após o início da Lava Jato, em razão da compreensão de congressistas de que o colegiado é corporativista e hesita em punir abusos de promotores e procuradores.
Procuradores e promotores eram contra a medida, afirmando que Lira e o centrão promoviam uma “PEC da vingança” contra o Ministério Público, já que políticos desse grupo, incluindo Lira, foram e são alvos de investigações, principalmente na Lava Jato.
A votação da PEC foi adiada algumas vezes enquanto Lira e a oposição buscavam angariar apoio do plenário -para aprovar uma proposta de emenda à Constituição, são necessários pelo menos 308 votos, em dois turnos.
No último dia 20, o presidente da Câmara arriscou e levou a votação até o final, mas o texto foi rejeitado por ausência de 11 votos.
Além da tentativa de blindagem política via projetos e atos, Lira também adota um discurso corporativista que agrada aos parlamentares.
Na última quarta-feira (27), um dia após a entrega do relatório final da CPI da Covid e em meio à indefinição sobre a PEC dos precatórios, o deputado fez um pronunciamento no plenário no qual disse ser inaceitável a proposta de indiciamento de deputados no relatório.
Segundo ele, a iniciativa do relator Renan Calheiros (MDB-AL) de indiciar deputados por suas manifestações públicas ou privadas “fere de morte princípios, direitos e garantias fundamentais”.
Apesar do favoritismo, parlamentares afirmam reservadamente que pesa contra a tentativa de reeleição de Lira o caráter de “atropelo” que ele tenta imprimir nas votações da Câmara, trabalhando textos e propostas nos bastidores, e colocando em votação sem discussão aprofundada com os partidos.
O estilo truculento no trato com colegas também é apontado como um ponto negativo.
Na história recente, apenas dois presidentes da Câmara foram eleitos sem ter apoio direto do Palácio do Planalto. Cunha, em 2015, e Severino Cavalcanti (PP-PE), em 2005.
Disputas pelo comando da Câmara dos Deputados nos últimos 20 anos 2003 – João Paulo Cunha (PT-SP) – Apoiado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que havia derrotado oito anos de gestão do PSDB, deputado é facilmente eleito, com 434 votos
2005 – Severino Cavalcanti (PP-PE) – aproveitando-se em um racha no PT, que lançou dois candidatos, e da insatisfação de congressistas com o governo, deputado do baixo clero consegue ir para o segundo turno e tem uma das mais surpreendentes vitórias no parlamento, com 300 votos
2005 – Aldo Rebelo (PC do B-SP) – Após Severino renunciar ao cargo em meio ao escândalo do “mensalinho da Câmara”, aliado do governo vence com margem apertadíssima: 258 contra 243 de José Thomaz Nonô (PFL-AL), da oposição 2007 – Arlindo Chinaglia (PT-SP) – Com base lulista dividida, PT volta ao comando da Câmara, também em dura eleição: 261 votos contra 243 de Aldo, também governista
2009 – Michel Temer (MDB-SP) – fruto de acordo que havia eleito Chinaglia dois anos antes, o líder do MDB ganha com facilidade: 304 votos contra 129 de Ciro Nogueira (PP-PI) e 76 de Aldo Rebelo
2011 – Marco Maia (PT-RS) – Com Dilma Rousseff no início do seu mandato, petista é eleito com facilidade: 375 votos 2013 – Henrique Eduardo Alves (MDB-RN) – Seguindo o rodízio MDB-PT, o deputado do Rio Grande do Norte é eleito em primeiro turno com 271 votos
2015 – Eduardo Cunha (MDB-RJ) – Líder do centrão derrota o candidato de Dilma, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e é eleito no primeiro turno com 267 votos
2016 – Rodrigo Maia (DEM-RJ) – Já no governo Michel Temer (MDB), deputado do DEM disputa mandato-tampão após afastamento de Cunha e derrota o centrão, se elegendo para o primeiro de seus três mandatos à frente da Câmara. Foram 258 votos contra 170 de Rogério Rosso (PSD-DF)
2017 – Rodrigo Maia (DEM-RJ) – Deputado derrota novamente o centrão e é reeleito: foram 293 votos contra 105 de Jovair Arantes (PTB-GO)
2019 – Rodrigo Maia (DEM-RJ) – Dessa vez com apoio do centrão, consegue com folga o terceiro mandato, já sob o governo Bolsonaro. Ele obtém 334 votos
2021 – Arthur Lira (PP-AL) – Centrão se une a Bolsonaro e volta a triunfar após Cunha, com vitória sobre candidato de Maia: 302 votos contra 145 de Baleia Rossi (MDB-SP)
Por Ranier Bragon e Danielle Brant/FOLHAPRESS
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Redação por Bernardo Andrade