Em meio à crise do presidente Jair Bolsonaro e o STF (Supremo Tribunal Federal), o presidente da corte, Luiz Fux, pediu tolerância em discurso nesta terça (1º) e disse que, em ano eleitoral, “não há mais espaços para ações contra o regime democrático e para violência contra as instituições públicas”.
A fala de Fux, com diversas referências às eleições, abriu a sessão que inicia os trabalhos regulares do Judiciário em 2022.
Em dezembro, ao falar na sessão de encerramento dos trabalhos, Fux já havia dado recados, referindo-se a 2021 como o ano em que a corte sofreu ameaças reais e retóricas e viveu momentos “tormentosos”, mas respondeu à altura e está pronta para “agir e reagir”.
Nesta terça-feira, Fux afirmou que neste ano “os debates acalorados nesses momentos são comportamentos esperados em um ambiente deliberativo marcado pela pluralidade de visões”.
“Não obstante os dissensos da arena política, a democracia não comporta disputas baseadas no ‘nós contra eles’. Em verdade, todos os concidadãos brasileiros devem buscar o bem-estar da nação, imbuídos de espírito cívico e de valores republicanos”, afirmou.
“Em sendo assim, este Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, concita os brasileiros para que o ano eleitoral seja marcado pela estabilidade e pela tolerância, porquanto não há mais espaços para ações contra o regime democrático e para violência contra as instituições públicas.”
Fux também afirmou ser imperioso não esquecer que “entre lutas e barricadas, vivemos um Brasil democrático, um Estado de Direito, no qual podemos expressar nossas divergências livremente, sem medo de censuras ou retaliações.”
Como de praxe, Bolsonaro foi convidado para a cerimônia, que aconteceu por videoconferência, mas não participou.
No início da sessão, Fux afirmou que o motivo é que Bolsonaro iria sobrevoar as áreas atingidas pelas chuvas em São Paulo e mandou cumprimentos.
Bolsonaro foi representado pelo vice-presidente, Hamilton Mourão.
Acompanharam o evento, além dos ministros, o procurador-geral da República, Augusto Aras, o ex-presidente da OAB Felipe Santa Cruz e os presidentes da Câmara e Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Em sua fala, Santa Cruz exaltou o papel que OAB e STF têm cumprido para “garantir que as luzes da ciência e da constituição cidadã prevaleçam sobre obscurantismo para garantir a brasileiros e brasileiras seu direito inalienável à vida.”
O ex-presidente da OAB afirmou ainda que 2022 talvez seja o ano mais importante desde 1988 para a democracia brasileira. “Estaremos alertas para que nenhum tipo de ameaça ao pleito, a seu resultado e ao eleito coloque em risco a vontade soberana do povo brasileiro.”
Além disso, disse não ter dúvidas de que o STF “continuará a missão de combate às fake news, ao discurso de ódio, às tentativas de disseminar mentiras sobre as urnas eletrônicas”.
“Confio que a ação firme desta corte, do parlamento e da sociedade que a OAB lidera historicamente em nosso país fará prevalecer a democracia, e não a instabilidade que abre espaço para o autoritarismo”, ressaltou.
Em seu discurso, Aras também defendeu tolerância às diferenças de opinião.
“O Brasil é pleno de vida, de sotaques, de cores, de diversidades, de encontros e desencontros”, afirmou.
“E a ordem que leva ao desenvolvimento não consiste na asfixia da pluralidade por obra e totalitarismo de qualquer natureza ou origem e sim na integração do diálogo permanente de todas as forças da sociedade para que construamos o consenso social indispensável a uma verdadeira democracia substancial.”
Segundo Aras, é preciso “manter abertos os espaços de comunicação política e da palavra, instrumento de manifestação daquilo que toda pessoa pensa sobre o que parece benéfico ou nocivo, justo ou injusto.”
Ele disse ainda ser preciso repudiar “veementemente o discurso do ódio”.
“Discurso de ódio deve ser rejeitado com a deflagração permanente de campanhas de respeito à diversidade, como fazemos no ministério público brasileiro, para que tolerância gere paz e afaste a violência do cotidiano”, disse.
“A tentativa de expulsar o diabo com os mesmos instrumentos de belzebu dificilmente pode ter sucesso.”
Na semana passada, Bolsonaro faltou a um interrogatório da Polícia Federal determinado pelo ministro Alexandre de Moraes.
A ordem foi feita no inquérito que apura vazamento de investigação da Polícia Federal sobre o ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral.
Os dados foram utilizados pelo presidente Jair Bolsonaro para levantar a tese de fraude na eleição de 2018 em entrevista no dia 4 de agosto.
Além desse, Bolsonaro é alvo de outros quatro inquéritos na corte.
No ano passado, Bolsonaro patrocinou uma crise entre Poderes, em especial por seus ataques à Justiça Eleitoral e a ministros do Supremo.
Em ato em São Paulo no 7 de Setembro, por exemplo, Bolsonaro chegou a dizer que não cumpriria decisões do Supremo e chamou Moraes de “canalha”.
Diante das reações dos demais Poderes a aquelas ameaças, dias depois Bolsonaro deu um passo atrás diante de suas manifestações de cunho golpista e disse que nunca teve nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes –o texto de recuo foi redigido com a ajuda do ex-presidente Michel Temer (MDB).
Aquela mudança de tom de Bolsonaro, porém, apesar de elogiada pelos presidentes do Senado e da Câmara, sempre foi vista com ceticismo, em especial pelos magistrados do Supremo.
O STF pretende julgar ainda no primeiro semestre deste ano temas que podem afetar as eleições, como a validade das federações partidárias e a possibilidade de afrouxamento da Lei da Ficha Limpa. Também irá firmar entendimento sobre a prática de “rachadinha”.
No discurso, Fux afirmou que a agenda do Supremo neste primeiro semestre será dedicada a pautas relacionadas à estabilidade democrática e preservação das instituições políticas do país, além da “revitalização econômica e da proteção das relações contratuais e de trabalho, da moralidade administrativa e da concretização da saúde pública e dos direitos humanos afetados pela pandemia”.
O ano passado foi marcado por conflitos do governo com as cortes, especialmente o STF. O auge ocorreu nos atos de raiz golpista do 7 de Setembro, em 2021.
O presidente chegou a dizer que descumpriria decisão judicial de Moraes e chamou-o de canalha.
O Supremo terá mudança de presidência em setembro, quando deve assumir a ministra Rosa Weber.
Por José Marques, Danielle Brant e Renato Machado/FOLHAPRESS
Foto: Divulgação
Redação por Bernardo Andrade