O avanço do projeto de lei 191, que deve ser votado neste mês para deslanchar a mineração em terras indígenas, vai levantar novas manifestações de lideranças empresariais preocupadas com os efeitos da medida apresentada por Bolsonaro ao Congresso em 2020.
Para Pedro Passos, um dos fundadores da Natura, o projeto não tem embasamento técnico ou econômico e espelha o retrocesso que o país assiste neste governo.
“É mais uma demonstração de que o Brasil está sendo conduzido por aqueles que não entendem, ou fingem não entender, a importância dos nossos ativos ambientais e da riqueza das populações indígenas. É uma mistura de incompetência, desprezo pela ciência e falta de compromisso ético com o país”, segundo o empresário.
A argumentação usada pelo governo Bolsonaro, de que isso poderia reduzir a dependência nacional de fertilizantes da Rússia, é falaciosa e oportunista, na opinião de Passos.
Pergunta: Tem havido uma movimentação forte de empresários se manifestando publicamente contra o projeto de lei 191/2020, que libera mineração em terra indígena. Qual é a opinião do sr. sobre isso?
Pedro Passos: Esse projeto espelha o retrocesso que assistimos com este governo. Não existe embasamento técnico ou econômico para a proposta. É mais uma demonstração que o Brasil está sendo conduzido por aqueles que não entendem, ou fingem não entender, a importância dos nossos ativos ambientais e da riqueza das populações indígenas. É uma mistura de incompetência, desprezo pela ciência e falta de compromisso ético com o país.
P.: O presidente Bolsonaro alega que essa medida ajudaria a resolver o problema da dependência brasileira em relação ao fertilizante importado. O timing da guerra na Ucrânia pode ajudar quem defende a ideia?
PP: Os argumentos do governo Bolsonaro são falaciosos e oportunistas. Pesquisadores da UFMG demonstraram recentemente, com base em dados oficiais, que a Amazônia Legal detém apenas um terço dos depósitos de potássio no país e apenas 11% disso está em terras indígenas em processo de demarcação. Se considerarmos somente as áreas indígenas já homologadas, que são a grande maioria, não há sobreposição alguma.
Certamente, o fato de não sermos autossuficientes em fertilizantes nada tem a ver com mineração em terras indígenas. Creio que o presidente deveria trabalhar com mais afinco na agenda para eliminar os gargalos que prejudicam a produtividade e a competitividade da nossa economia, sem desviar a atenção dos problemas verdadeiros.
P.: Qual é a avaliação do sr. sobre os esforços que foram feitos nesses últimos anos por parte de setores do empresariado brasileiro para tentar convencer o governo Bolsonaro a recuperar protagonismo na discussão global sobre ambiente?
PP: O empresário sabe que a atual política ambiental tem acarretado perdas para os negócios com o exterior, e o prejuízo de imagem que o país vem sofrendo gera inevitáveis restrições aos produtos brasileiros. Para fazer frente à descarbonização da economia, setor público e privado acumulam globalmente esforços na busca de novas soluções.
Marcos regulatórios, investimentos em ciência e tecnologia e mudança de hábitos são movimentos orquestrados pelos governos empenhados na direção de uma economia sustentável que busca respeitar os limites do planeta. Não é esta a realidade vivida por aqui.
P.: Uma eventual reeleição de Bolsonaro traz que tipo de preocupação para a agenda ambiental?
PP: Infelizmente, a preocupação é com a continuidade do retrocesso vivido nestes anos, quando o Brasil deixou de ser o país respeitado pelas boas práticas ambientais, interlocutor responsável nos fóruns globais e referência pela atualidade de sua legislação.
A negação da ciência, os indicadores assustadores do desmatamento, o desmantelamento dos mecanismos de proteção ambiental são evidências da direção que precisa ser interrompida.
Por Joana Cunha/FOLHAPRESS
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Redação por Bernardo Andrade