O município de Careiro no Amazonas é Bi Campeão em Concurso Nacional de Literatura no Gênero Crônica. Com a obra Plantador de Rosas, o poeta careirense Henrique Lucas consagrou-se mais uma vez vencedor nacional em Literatura e pela segunda vez no Gênero Crônica. O artista recebeu a maior votação do público e a maior média do júri técnico.
Veja a classificação:
1º) Plantador de rosas – Poeta e Prof. Hosane Henrique – Careiro – AM.
2º) Os olhos de Damiana – Redatora/Publicitária. Thauanny Almeida
3º) Eu te amo! – Escritor. Léo Ferreira
Plantador de rosas
Poeta: Hosane Henrique Lucas de Souza
Nos idos daqueles dias que se batizavam nos escombros da ignorância e no mar do sangue dos inocentes, eu apenas respirava o aroma dos mísseis e estremecia ao ronco dos tanques que caçavam as almas e suas pátrias. Ali eu petrificado sonhava na fronteira da potência e da prepotência, e entre cinzas e olhares despatriados, meus pés sedentos iam cobrindo com mágoa e magia algumas sementes de rosas brancas. Estas sementes eram toda a riqueza que me restara naquela nação destruída.
Para ser bem exato eram sete sementes, estas eram colocadas no bolso de meu casaco, pela minha Bisavó, antes do sono dominar minhas noites e sonhos, isto era rotina. Às horas da aurora esticavam-se no horizonte daqueles que não dormem, mas que sonham com a paz no coração de vossos lares, no calor de vossos amores e nas letras dos poemas que esperam as estações, para germinar seus botões de mel. Onde o céu abria suas cortinas despejando bombas que explodiam na íris da humanidade. E foi quando dobrei os joelhos e coloquei uma mão no bolso e outra no peito, olhei para o céu e pedi uma resposta, pois para tal cenário os meus olhos não tinham explicações. E quando voltei para a terra, senti o calor das sementes em minhas mãos. E retirei uma semente de rosa branca e plantei no abismo das fronteiras que sitiavam minha alquimia. E quando eu contemplava o fecundar daquela primeira semente, que talvez não germinasse um fuzil me espantou, e fui cruzando os corredores que estavam sedentos de aquarelas. E na imaginação de um ser mortal subtraí as sementes, nisto meu egoísmo falou mais alto.
Pensei em não semear mais a rosa branca, mas vi umas crianças com suas mãos trêmulas e estendidas pedindo pão e num lapso de outrora, coloquei duas sementes nas mãos de duas crianças: órfãos. Agora só restavam quatro sementes em meu casaco, e cada passo no além o horizonte acenava-me com suas línguas de fogo, fúria, medo e as vezes cor de chocolate, o que poderia por algum momento adoçar a minha alma e as letras de algodão que rimavam aquela pátria ferida. Ferido também estavam meus pés e minha tez, até pensei em vender uma semente na certeza de comprar água e um antidoto para curar as “minhas” chagas. Mas, ali nenhum anjo dava-me atenção ou contemplava as minhas sementes. E aos pés de uma ponte implodida plantei mais uma semente. Era a quarta, era salutar lembrar que agora só me restavam três, por certeza teria que prestar contas destas sementes a minha Bisa, quando eu regressasse de minha odisseia.
A fronteira havia me levado para o altar dos salvadores das pátrias, e sepultadores de flores e infâncias. As vozes daquele átrio descreviam as riquezas e todos os demônios que alienavam os “colibris”, da Terra. Eu na magia da interpretação daquela noite infinita, sagava a face do mundo bruto e semântico. E senti o meu coração palpitar na radiação atômica de um tabernáculo de petróleo e sal. Quando os alvos eram silenciados: o clamor, o choro dos inocentes e, o telhado entoavam canções de uma crônica estrangeira, plantada no coração racional. E pela foz da fronteira os corpos e os sinais abraçavam-se num ato de despedida e grito. Os raios do sol escondidos entre bandeiras e fumaças faziam uma barbárie ao tocarem o jardim de uma casa destruída pela força do “capetalismo”. Incrível, eram rosas. Sim rosas brancas, daquelas que minha Bisa havia colocado as sementes em meu casaco, para que eu pudesse dormir e ter sonhos vindouros e de paz. Ao olhar com mais calma para aquela aquarela exaurida, percebi que suas rosas eram o resultado das sementes que eu havia semeado. Mas, o barulho das bombas e mísseis me fizeram acreditar que estava apenas sonhando.
Voltei a contar as sementes que ainda estavam em meu bolso, sim eram três e protegidas. Os meus passos em círculos descreviam as bibliotecas analfabetas de sensatez, bondade e amor. Continuei caminhando até chegar na porta do que era um hospital, quem sabe ali eu pudesse ingerir algum analgésico e dormir, mais uma vez e sonhar ouvindo as histórias de minha Bisa. Mas, os tanques explodiam cada andar daquele hospital que estava também doente. Eu caído entre os corpos despedaçados, plantei mais uma semente. Imaginei que ela pudesse germinar e florir para alegrar a vida daqueles que por ventura lembrasse de quem partiu para a eternidade. De repente escutei um estrondo ensurdecedor e me senti levitando feito uma gaivota, na sinfonia do mar. Era o efeito de um míssil e quando despertei, estava atirado a quadras, dali. Meu corpo estava todo chagado pelo enredo daquela noite, que me oferecia seus riscos e magias numa esponja cheia de fel e imaginação. Mas, haviam ainda duas sementes e isso dava-me tranquilidade.
Ao abrir os olhos para o poente, corvos coroavam aquelas muitas covas, eu estava ali sendo sepultado entre o sabor da vitória e, o brilho do algoz da modernidade. Imaginei que as duas sementes seriam enterradas junto de meu corpo, e poderiam me servir de alimento, isto se este calvário não fosse um paradoxo. Elas brotariam e dariam muitas flores para enfeitar meu corpo e ser uma estação de lembranças para minha Bisa. E foi aí que num ato derradeiro eu ofereci aos coveiros de máscaras e olhos de bactérias as duas últimas sementes. E fui soterrado e na vingança, adormeci. A noite chegou, entre os anjos que contavam seus mortos e entulhavam antes da decomposição. Sonhei que toda a fronteira estava cheia de crianças e flores brancas. E em minha direção caminhava uma anja cantando salmos e lírios de louvação a vida. E ao se aproximar descobrir que a anja era minha Bisa, e que todas aquelas flores eram as sementes que eu havia semeado. E ao colocar as mãos nos bolsos percebi que estavam cheios de novas sementes. E ao sorriso de minha Bisa, entendi perfeitamente aquele milagre. E foi quando descobri que eu era um plantador de rosas, rosas brancas.
Da redação