O governo Jair Bolsonaro (PL) quer colocar no Enem de 2022 e 2023 questões já usadas em edições anteriores. O motivo é a escassez de perguntas prontas e adequadas para uso na prova, pois não houve a elaboração em número suficiente.
O plano de repetir questões está em minuta do edital do Enem e em nota técnica do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).
O órgão é ligado ao MEC (Ministério da Educação) e responsável pelo exame, que é a principal porta de entrada para o ensino superior.
“A edição 2022 do Enem poderá utilizar itens inéditos e itens já utilizados em edições anteriores”, diz a minuta do edital do exame, documento ainda interno e não publicado oficialmente. O plano foi revelado pelo portal UOL e confirmado pelo jornal Folha de S.Paulo.
Questionado, o Inep não respondeu.
O documento interno do Inep fala também em manter o mesmo expediente na prova de 2023.
O Inep sabe ao menos desde fevereiro de 2021 sobre a falta de questões para elaborar o Enem, como mostrou a reportagem em novembro passado, em meio a uma crise vivida no Inep.
Essa escassez foi uma das travas, inclusive, para que não fosse atendida de modo mais intenso a intenção da equipe do ex-ministro Milton Ribeiro de interferir em conteúdos da prova de 2021.
No ano passado, às vésperas do exame, o governo passou por uma crise que envolveu denúncias de interferência em conteúdo e assédio moral de servidores.
O jornal Folha de S.Paulo ainda em revelou novembro que Bolsonaro chegou a pedir para Ribeiro questões que tratassem o golpe de 1964 por revolução, em consonância com o revisionismo histórico que ele e seus apoiadores defendem.
Até o fim do ano passado, não havia produção de novas questões desde 2019. O agora ex-ministro Ribeiro, no entanto, chegou a afirmar, no fim do ano, que haveria questões suficientes “para mais algum tempo” –ao contrário do que mostram os documentos internos do Inep.
O Enem é elaborado com base em um modelo matemático, a TRI (Teoria de Resposta ao Item), que exige questões calibradas com relação a parâmetros como o de dificuldade.
Antes de serem utilizadas nas provas, elas devem ser respondidas por um grupo similar àquele que normalmente faz o exame (nos chamados pré-testes) para essa calibragem.
Os itens “também passam por uma análise de adequabilidade por parte das equipes pedagógicas e pela equipe psicométrica”, indica a nota interna do Inep. A carência de itens considerados adequados atinge as quatro áreas da prova, mas é mais grave em linguagens.
O Inep tem apenas 43 itens adequados de linguagens, o que não é suficiente para elaborar uma prova (que prevê 45 itens por área do exame). Há 46 de ciências humanas, 61 de matemática e 75 de ciências da natureza.
As informações estão na nota do Inep, datada de 23 de março.
O número de itens pré-testados, mas sem análise de adequabilidade é maior. Varia de 289 (ciências da natureza) a 630 (ciências da natureza).
A cada ano o governo organiza ao menos duas edições, a regular e para pessoas privadas de liberdade. Isso exige um mínimo de 90 questões de cada uma das quatro áreas da prova.
O governo não pretende realizar novos pré-testes uma vez que há previsão de mudança da prova a partir de 2024.
“Considerando a possibilidade de reutilizar 4.680 itens, que foram aplicados para milhões de candidatos nas edições realizadas no Enem, não haverá a necessidade de executar novos pré-testes para viabilizar as edições 2022 e 2023”, diz a nota, assinada pelos diretores de Avaliação da Educação Básica, Michele Cristina Silva Melo, de Gestão e Planejamento, Jôfran Lima Roseno, e outros dois coordenadores.
A dificuldade de produzir itens adequados para o Enem é um drama desde 2009, quando o exame virou vestibular e ganhou o formato atual.
Tanto para garantir a qualidade técnica dos exames quanto para viabilizar desejo antigo de ter mais de uma edição por ano ou fazer as provas no computador.
A pandemia trouxe dificuldades para o governo manter o ritmo de produção de pré-testes, segundo o documento.
Mas, mesmo diante da escassez, o governo manteve no ano passado a realização do Enem digital, aplicado em computador para parte dos inscritos.
Isso exigiu a elaboração de três provas no ano, minando ainda mais a robustez do Banco Nacional de Itens. Equipes técnicas haviam sugerido o cancelamento da prova em computador na última edição exatamente por esse motivo, mas as lideranças do MEC e Inep ignoraram.
O Inep é presidido por Danilo Dupas Ribeiro. Ele foi indicado por Milton Ribeiro e é próximo ao ex-ministro.
Ribeiro deixou o cargo nesta segunda-feira (28) sob acusações de privilegiar pastores suspeitos de negociar liberações de verbas da pasta em troca de vantagem indevida.
A queda do ministro ocorreu uma semana após a Folha de S.Paulo revelar áudio em que o próprio Ribeiro fala em priorizar os amigos de um dos pastores e que isso seria um pedido de Bolsonaro.
Por Paulo Saldaña/FOLHAPRESS
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Redação por Bernardo Andrade