No início de maio, John Maia, 38, foi nomeado superintendente LGBTQIA+ da SMDHPA (Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Políticas Afirmativas de Goiânia). Com isso, ele se tornou a primeira pessoa transgênero a assumir a vaga na cidade -e uma das primeiras no país a assumir um cargo dessa magnitude.
“Essa é uma quebra de tabu muito grande, porque o prefeito aqui é um pastor evangélico. A minha nomeação mostra que independente da religião, a gestão está buscando cuidar de pessoas”, disse em entrevista por telefone à Folha de S.Paulo.
Para chegar ao novo cargo, Maia teve uma trajetória bastante diferente do perfil tradicional dp gestor público. Ex-usuário de drogas, chegou a morar na cracolândia, no centro de São Paulo. “Eu fui um dos maiores traficantes ali no fluxo. Eu comecei traficando e ai conheci o crack. Eu perdi tudo”, diz ele. Depois, em 2009, foi preso por roubo.
Na época, ele ainda não havia concluído sua transição, mas já adotava o seu nome social. Assim, passou um ano na Penitenciária Feminina da Capital no Carandiru a espera do julgamento -acabou condenado ao regime semiaberto.
“Eu não tinha meu nome social respeitado pelos agentes na prisão. Não me respeitavam”, diz ele. “Na prisão eu trabalhei muito. Primeiro com faxina na unidade, depois trabalhei com itens decorativos de festa por meio da penitenciária e também trabalhei com uma das empresas que fazia as tomadas de três pinos quando elas começaram a ser usadas no Brasil.”
Os anos de semiaberto foram cumpridos em Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo. Além de trabalhar, aproveitou o período para concluir o ensino médio. Hoje, planeja o ingresso na universidade para cursar assistência social.
Após a morte da mãe, há sete anos, decidiu deixar o estado de São Paulo. Assim chegou a Goiânia, onde há três anos, criou o projeto “Sempre Dá Pra Fazer Alguma Coisa”. A iniciativa tem objetivo auxiliar pessoas em situação de rua ou vulnerabilidade social a reconstruírem suas vidas, assim como ele fez.
“Eu estou aqui para servir a população, em especial a população de rua. Eu já vivi na rua, já recebi muita marmita do padre Júlio Lancelloti [quando vivia nas ruas do centro da capital paulista]. Quero fazer por essas pessoas o que não fizeram por mim quando eu estive em situação de rua.”
Maia afirma que sua organização já tirou das ruas mais de 60 pessoas em três anos. “Quando nós paramos para pensar, sempre dá para ajudar, de uma forma ou de outra, pessoas em situação de vulnerabilidade”, afirmou.
Maia afirma agora uma de suas prioridades no novo cargo é uma parceria com o Sebrae para capacitação e empregabilidade de pessoas LGBTQIA+. Segundo ele, esse tipo de iniciativa muitas vezes apresenta apenas opções como curso de maquiagem e de costura, algo que quer evitar.
“Quando a gente fala da população LGBTQIA+ estamos falando, por exemplo, de uma mulher negra, lésbica assumida e que está sendo posta para trabalhar atrás de um balcão, para ser invisível. Nem todo mundo quer ser costureira ou maquiadora. Há tantos cursos para a população geral. Uma mulher trans pode ser advogada, pode ser enfermeira, um homem trans pode ser caminhoneiro se quiser.”
Outro projeto em andamento é a construção da primeira casa de acolhida para a população LGBTQIA+ vinculada diretamente à gestão municipal.
A Pesquisa Nacional por Amostra da População LGBT+ de 2018, feita pela organização sem fins lucrativos Todxs e que teve mais de 15 mil respostas válidas, apontou que um terço dos entrevistados ganhavam até R$ 1.000. Além disso, 84% disseram não receber nenhum tipo de auxílio de programas de transferência de renda, como Bolsa Família, por exemplo.
Para Maia, isso mostra a importância do investimento em educação e do trabalho para a comunidade LGBTQIA+. “Ter esse olhar para essa população invisivel, buscar empregar e capacitar essas pessoas é essencial. Essa população tem dificuldade de aderir ao mercado de trabalho e concluir os estudos.”
Por Matheus Moreira/FOLHAPRESS
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Redação por Bernardo Andrade