Manaus | 19 de Fevereiro de 2020 (Quarta-feira)
Por 4 votos a 2 e mesmo sem instaurar uma investigação, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República arquivou nesta terça-feira (18) denúncia sobre possível conflito de interesses envolvendo o chefe da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), Fabio Wajngarten.
Como revelou a Folha de S.Paulo em janeiro, por meio de uma empresa da qual é sócio majoritário (a FW Comunicação), o secretário recebe dinheiro de TVs e de agências de publicidade contratadas pelo próprio órgão que ele comanda, ministérios e estatais do governo Jair Bolsonaro.
Apesar dos indícios contra Wajngarten, que levaram a Polícia Federal a abrir um inquérito contra ele para investigar práticas de corrupção e peculato, a maioria do colegiado da Presidência o autorizou a prosseguir no governo e, concomitantemente, como cotista da empresa privada, na qual detém 95% de participação.
Na prática, a decisão libera o secretário para manter negócios com fornecedores da própria Secom e outros órgãos ligados ao Executivo.
No placar, votaram a favor de Wajngarten os conselheiros Gustavo Rocha, André Tavares e Milton Ribeiro e o presidente da comissão, Paulo Henrique Lucon. A favor da abertura da investigação se posicionaram Erick Vidigal e Ruy Altenfelder.
Segundo o presidente da comissão, o fato de Wajngarten não exercer mais cargo na gestão da empresa é o suficiente para que ele possa continuar como sócio majoritário e, ao mesmo tempo, exercer o cargo público.
Lucon ponderou, no entanto, que o caso pode ser retomado caso surjam novos indícios na investigação da PF.
“Não pesou na questão ética. Na análise da legislação cabível, não pesou. Neste momento, em razão das funções que a empresa exerce de controle da concorrência, não haveria qualquer conflito de interesses na visão da Comissão de Ética”, disse.
O entendimento contraria os precedentes da comissão e gerou críticas de ex-integrantes. Ex-presidente do colegiado, o advogado Mauro Menezes classificou a decisão de lamentável.
No julgamento desta terça, a maioria seguiu o voto do relator, Gustavo Rocha, secretário de Justiça e Cidadania do governo de Ibaneis Rocha (MDB) no Distrito Federal, aliado do presidente Jair Bolsonaro.
O relator é próximo do secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira. Em seu relatório, Rocha acolheu os argumentos da defesa do chefe da Secom.
A lei de conflito de interesses veda o “exercício de atividade que implique a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse na decisão do agente público”.
Ao analisar esse ponto da legislação, Rocha considerou que, por ter se afastado da gerência da FW -transferindo-a para o irmão de Samy Liberman, seu secretário-adjunto na Secom-, Wajngarten não está mais a “exercer” a atividade descrita na norma.
“Os dispositivos [da lei] não coíbem a mera condição de sócio-cotista, tendo em vista que quem titulariza cotas não está a exercer atividade alguma”, escreveu.
Ele ponderou que a comissão poderá, eventualmente, reexaminar o caso a depender das conclusões de investigações da PF e do TCU (Tribunal de Contas da União).
Rocha alegou que, tendo em vista o caráter liberal do governo, é natural que profissionais da iniciativa privada nomeados para cargos públicos “tragam consigo o histórico de suas relações com o mercado privado”.
O relator propôs que a comissão edite resolução para “melhor explicitar” dispositivos da lei de conflito de interesses.
A defesa do secretário já havia apresentado os seus argumentos escritos. Mesmo assim, foi autorizado ao advogado de Wajngarten, Fernando Fernandes, participar do encontro desta terça-feira na comissão.
Segundo relatos de presentes, durante exposição oral, ele acusou a Folha de S.Paulo de tentar “forçar uma decisão” junto à Comissão de Ética e disse que a imprensa persegue o secretário de Comunicação.
Questionado, Lucon disse que a presença do advogado, o que não era comum em gestões anteriores, faz parte de um procedimento recente de abertura de defesa prévia. Segundo ele, a alegação da defesa contra a imprensa não pesou na decisão.
“Esta Comissão de Ética não pode se pautar pela imprensa. Evidentemente que o papel [da imprensa] é importante, prestando informações. É relevantíssimo, levamos em consideração o que foi noticiado. Mas é claro que a análise tem que ser objetiva e dentro da norma existente”, disse.
A denúncia contra Wajngarten, baseada em reportagens da Folha de S.Paulo, foi ingressada por PT, PSOL e PC do B. O relator do caso, Gustavo Rocha, foi ministro dos Direitos Humanos da gestão Michel Temer.
Após a decisão da Comissão de Ética, Wajngarten utilizou a comunicação oficial da Presidência da República para divulgar uma nota em sua defesa. O texto avalia o arquivamento do caso na comissão como um “marco na defesa” do chefe da Secom.
Além de ter sido oferecida defesa prévia escrita e oral a Wajngarten, o secretário se reuniu pessoalmente com Lucon no fim de janeiro para tratar sobre a denúncia contra ele, que já tramitava no colegiado presidencial.
“Prevaleceu a verdade e o bom senso. Não há nada de aético ou ilegal na atuação do secretário Fábio Wajngarten, à frente da Secretaria de Comunicação. A denúncia arquivada é um atestado de idoneidade a ele.”
O texto ainda acusa a Folha de S.Paulo de fazer uma “insidiosa campanha” contra Wajngarten com “calúnias” e “difamações” que, segundo ele, “se revelaram infrutíferas”.
Entre os contratantes da empresa de Wajngarten, a FW, estão Record e Band, além da agência Artplan. As três passaram a ser contempladas com percentuais maiores da verba da Secom na gestão de Wajngarten, que começou em abril passado do ano passado.
Reportagem da Folha de S.Paulo desta segunda-feira (17) já antecipava a tendência de arquivamento. Essa ideia ganhou força, mesmo sem apuração do caso no âmbito do colegiado, sob a justificativa de que a PF conduz investigações a respeito, de caráter criminal.
Após as revelações da Folha de S.Paulo, a PF abriu inquérito para apurar o envolvimento de Wajngarten em supostas práticas de corrupção passiva, peculato (desvio de recurso por agente público) e advocacia administrativa (patrocínio de interesses privados na administração pública).
Os precedentes da comissão de ética, em casos como o do secretário, são de aplicar uma advertência e recomendar que o agente público deixe a sociedade. Em ao menos um caso a proposta da comissão foi a de indicar exoneração de servidor que ocultou seus negócios das autoridades.
OUTROS CASOS
Em 2013, no governo de Dilma Rousseff, o então diretor de Gestão da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), Elano Figueiredo, pediu demissão após a Comissão de Ética Pública recomendar sua exoneração por conflito de interesses.
Figueiredo foi acusado de esconder que, antes de assumir o cargo, tinha trabalhado para uma operadora de planos de saúde, mesmo setor que o órgão fiscaliza.
No ano seguinte, o então ministro da Saúde de Dilma, Arthur Chioro, esteve na mira da comissão por ser dono de uma empresa de consultoria na área de saúde, a Consaúde.
Inicialmente, ele havia passado suas cotas para o nome da esposa, mas a comissão só arquivou uma denúncia contra o ministro após ele comprovar que a empresa foi desativada.
O colegiado recomendou a Chioro “observar, em especial, que, na eventualidade da retomada das atividades da empresa Consaúde, evite a configuração de conflito de interesse tal como previsto” na lei.
Foto: Alan Santos/PR.
Fonte: FOLHAPRESS.