Manaus | 29 de abril, 2020 | Quarta-feira
Quando Josh Morrison decidiu recrutar voluntários dispostos a se infectar com Covid-19 não imaginava que a procura seria tão alta, muito menos de pessoas nascidas no Brasil.
Em pouco menos de um mês, 6.000 voluntários, 1.500 deles brasileiros, se inscreveram para participar dos chamados desafios humanos, nos quais indivíduos saudáveis são infectados com uma determinada doença para receber uma vacina ou um tratamento ainda não aprovado.
Formado em direito na Universidade Harvard, nos EUA, o americano de 34 anos fundou a plataforma 1 Day Sooner em 30 de março, depois de ler artigo na revista científica The Journal of Infectious Diseases sobre experimentos que poderiam acelerar a produção de vacinas contra a Covid-19.
Um farmacêutico dá a Jennifer Haller, à esquerda, a primeira dose de uma potencial vacina para covid-19. “Moro em Nova York e a situação aqui é bem ruim” -nesta terça (28), eram mais de 292 mil casos e 17 mil mortes no estado. “A ideia de poder acelerar esse processo de vacina foi muito significativa para mim”, afirmou Morrison à Folha de S.Paulo.
O objetivo do americano é criar um grupo de pessoas confiantes e aptas a participar, caso esses estudos aconteçam nos próximos meses.
A inscrição online na plataforma fundada por Morrison é apenas a primeira demonstração de interesse do voluntário. Nesta semana, ele explica, serão enviados estudos acadêmicos para que as pessoas se informem sobre o tema e os riscos dos possíveis testes, além de questionários para que a equipe conheça os perfis.
Segundo Morrison, os inscritos são de 52 países, a maioria é jovem, de 20 a 35 anos, com ensino superior completo, mas há casos de pessoas com 50 e até 80 anos.
No entanto especialistas afirmam que o desafio humano deve ser feito apenas com pessoas jovens e saudáveis e, mesmo assim, há riscos.
“As pessoas querem fazer alguma coisa que ajude nessa crise terrível, elas se sentem mais empoderadas com essa possibilidade e essa é a motivação mais comum de quem se voluntaria”, diz o americano.
Considerados situação-limite, os estudos de desafios humanos começaram a ser cogitados por cientistas diante da busca por soluções contra a Covid-19, que já infectou mais de 3 milhões de pessoas no mundo todo e matou mais de 213 mil.
O processo de desenvolvimento de uma vacina normalmente leva muito tempo, com diversas fases que incluem testes in vitro e em animais antes de experimentos em humanos.
Há cientistas que preveem entre 12 e 18 meses para a produção de uma vacina eficaz, mas há especialistas que afirmam que mesmo esse prazo pode ser considerado recorde.
No artigo do Journal of Infectious Diseases que chamou a atençao de Morrison, pesquisadores afirmam que os desafios humanos podem acelerar a aprovação de uma vacina contra o novo coronavírus, encurtando a terceira e última fase do processo, geralmente a mais demorada.
Nessa etapa, milhares ou centenas de milhares de voluntários são recrutados para o teste. Parte deles recebe a vacina e parte, um placebo. Essas pessoas ficam expostas à infecção natural e, em até dois anos, os cientistas verificam a eficácia da vacina.
No desafio humano, são infectadas menos pessoas, em ambiente controlado, acelerando esses testes.
Os riscos dos desafios humanos são mais baixos quando se trata de doenças conhecidas, o que não é o caso da Covid-19.
No site do 1 Day Sooner, os organizadores afirmam que o desafio humano expõe deliberadamente os participantes à infecção com o objetivo de estudar e testar vacinas ou tratamentos e que esse tipo de experiência foi usada durante epidemias de influenza, malária, febre tifoide, dengue e cólera.
Eles ponderam os “riscos incertos” no caso da nova pandemia e dizem que os voluntários ficariam isolados em uma estrutura hospitalar e seriam monitorados para não transmitir a doença para o resto da população, com possibilidade de atendimento médico rápido, caso necessário.
Em março, a OMS (Organização Mundial da Saúde) anunciou que 3,4% dos casos confirmados de Covid-19 resultam em morte, mas essa taxa pode ser maior, já que vários países não tem alta capacidade de testagem, o que gera subnotificação de diagnósticos.
Ainda de acordo com a organização, há 76 vacinas contra a Covid-19 sendo desenvolvidas atualmente, 71 em estágio pré-clínico e 5 em fase clínica.
Fonte: Folha de São Paulo