O Ministério da Defesa da Rússia anunciou nesta quarta (16) que encerrou os exercícios militares que ocorriam na península da Crimeia, anexada por Moscou na esteira da queda do governo pró-Kremlin em Kiev há oito anos.
Para provar o que disse, a pasta publicou um vídeo com imagens de caminhões militares e trens carregando tanques e blindados passando pela ponte inaugurada em 2018 por Vladimir Putin que liga a península ao continente -a Crimeia é isolada fisicamente da Rússia.
Não está claro, contudo se tal desmobilização faz parte daquela que havia sido anunciada pelo governo Putin na véspera. Segundo o ministério, algumas forças dos distritos militares Sul e Sudeste voltariam para suas bases após o fim de manobras.
Foi um recuo calculado por Putin para dar credibilidade à suas falas que misturam desafio geopolítico ao Ocidente e vontade de negociar, que foram resumidas no encontro que teve na terça (15) com o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz.
O anúncio foi bem recebido pelo alemão, de resto um líder interessado em manter bom contato econômico com a Rússia por depender do gás natural do país, mas visto com ceticismo em outros lugares. O presidente americano, Joe Biden, disse por exemplo que saudava o movimento, mas que ele ainda “precisa ser verificado”.
Não será com um vídeo postado no YouTube que isso se resolverá, é evidente, mas a iniciativa russa é de dar mais transparência a seus anúncios, simbolicamente.
Se isso será comprado no Ocidente, é outra história. Biden, no mesmo discurso feito na tarde de terça nos EUA, disse que Putin já conta com 150 mil soldados em torno da Ucrânia.
Nesta quarta, a ministra canadense da Defesa, Anita Anand, disse em visita à sede da Otan em Bruxelas que as evidências são de que ainda há um aumento no número de forças russas.
No mar Negro, que banha a área conflituosa, navios russos estão fazendo manobras com tiro real durante a semana toda.
Por outro lado, o governo de Belarus disse, em entrevista de seu chanceler Vladimir Makei, que “não sobrará um soldado russo” em seu território após o dia 20, quando acabam as temidas manobras conjuntas entre os dois países.
Há 30 mil homens de Putin no país, o que levou o Ocidente a anunciar que uma invasão seria iminente, dado que a posição de forças ao norte da Ucrânia se somava àquelas ao sul e ao leste.
A pressão do russo, que sempre poderá dizer que negou querer invadir a Ucrânia o tempo todo, começou em novembro.
Ela parecia se referir a um problema antigo, de 2014, que é o status das áreas de maioria russa no leste do país, o Donbass, que ficaram autônomas nas mãos de separatistas depois que uma guerra civil irrompeu com o auxílio do Kremlin, na esteira da anexação da Crimeia.
Logo ficou claro que Putin queria mais: uma solução que impedisse a expansão da Otan (aliança militar ocidental) para suas fronteiras, nominalmente com a adesão proposta em 2008 à Ucrânia e à Geórgia.
O russo tem uma carta diplomática, que são os Acordos de Minsk, cuja segunda versão foi assinada em 2015 e garantiu um cessar-fogo algo mambembe na região.
Mas Kiev não quis implementá-lo integralmente porque, na leitura feita por Moscou, ele federaliza a Ucrânia e dá voz aos separatistas -logo, nada de adesão à Otan.
Além da questão militar, que passa pelo temor histórico russo de invasões via Europa, há subjacente a questão política de que a Ucrânia também quer entrar na UE (União Europeia). Foi a pressão feita pelo Kremlin contra um acordo entre Kiev e o bloco em 2014, aliás, que precipitou a derrubada do governo aliado de Putin no país.
Desde que foram separadas com o fim da União Soviética em 1991, Ucrânia e Rússia vivem um balé. Ora Kiev está mais próxima de Moscou, com quem divide a formação cultural e linguística, ora do Ocidente -centrado nas elites do oeste do país, em oposição às áreas russas étnicas do leste e sul.
Em 2004, a Ucrânia viveu uma “revolução colorida”, termo ocidental para protestos pró-democracia que são vistos em Moscou como golpes contra sua influência estimulados pelo Ocidente. Não deu certo, e o país voltou a orbitar o vizinho maior, até chegar à crise de 2014.
Putin não quer uma Ucrânia na esfera ocidental, particularmente na Otan mas também na UE, também porque isso poderia animar a oposição russa que ele esmagou sistematicamente nos últimos dois anos.
Assim, questões geopolíticas confluem com as domésticas na crise, embora os temas em relação à segurança no Leste Europeu por óbvio se sobreponham.
Por Igor Gielow/FOLHAPRESS
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Redação por Bernardo Andrade