Após 133 anos da Lei Áurea, oficialmente Lei n.º 3 353 de 13 de maio de 1888, que acabou com a escravidão no Brasil, um fato mexeu com o País nos últimos dias. A História de uma menina negra de oito anos que foi pedir um pão e acabou vivendo 38 anos num ambiente análogo à escravidão.

Madalena Gordiano nasceu 1975, 87 anos após a Lei no Brasil, e não sabia que passaria por tal situação, viver 38 anos presa num ambiente semelhante à escravidão por uma família branca.
Madalena é vítima de um País, que até 2019 tinha 13,7 milhões de pessoas vivendo baixo da linha de pobreza (informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que não tem um pão na mesa.
Em 1983, Madalena Gordiano saiu nas ruas para pedir pão para comer, pois não tinha em casa e estava com fome. Entre as residências que a criança bateu, na época, encontrou Maria das Graças Milagres Rigueira, uma professora. Madalena contou a Maria que estava com fome e pediu um pão, logo, a professora disse que não daria o alimento, mas um local para morar.
Maria adotou Madalena, no entanto, até os dias atuais não existem documentações de adoção. A criança passou a fazer trabalhos domésticos da residência.
Casamento arranjado

Em 2001, aos 26 anos de idade, Madalena casou-se com ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, Marino Lopes da Costa, que tinha 78 anos, que é tio de Valdirene Lopes da Costa, esposa de Dalton Rigueira. Marino Costa era 52 anos mais velho que Madalena.
Aos 80 anos, Marino faleceu e Madalena passou a ganhar duas pensões, somando a R$ 8,4 mil, porém a renda foi administrada por 17 anos pela Maria Graças Milagres Rigueira e Dalton César. A informação foi confirmada pelos investigadores do caso ao UOL.
Ainda de acordo com informações confirmadas ao UOL, o matrimônio foi denunciado em 2008, porém o processo foi arquivado em 2015, por falta de provas.
Na ação é destacado que, Maria das Graças teria planejado o matrimônio de Madalena com o tio da nora, sabendo da saúde debilitada do ex-combatente, para possuir a pensão.
As investigações mostram que a renda foi usada para financiar a faculdade de medicina para Vanessa Maria Milagres Rigueira, filha de Maria, que formou-se em 2007.
Dalton Rigueira fez empréstimos consignados em nome de Madalena.
Mudança de residência

Após 4 anos viúva, aos 32 anos de idade, Madalena já estava 24 anos morando com a família, e o marido de Maria a rejeitava. A solução foi enviar a “empregada” à residência do filho, Dalton César Milagres Rigueira, que também é professor.
Na casa de Dalton Rigueira, Madalena era proibida de sair do local onde dormia, e uma das principais funções que realizava era a limpeza da residência, mas não tinha direito a salário, descanso ou férias.
Testemunha
Um morador do prédio, que não quis se identificar, disse aos investigadores, que Madalena acordava às 4 horas da manhã para passar roupas, e, ninguém podia ver – lá conversando com pessoas que residiam no prédio. Ele destacou que dava para ver ela com medo quando eles chegavam.
A vítima passou os últimos anos colocando bilhetes nas portas pedindo pequenas ajudas em dinheiros a vizinhos, e as solicitações frequentes eram produtos de higiene.
Investigação
Dalton Rigueira está sendo investigado pelo Ministério Púbico do Trabalho (MPT) por “submeter uma pessoa a condição análoga à escravidão” e por “tráfico de pessoas”. Maria pode ser responsabilizada, dado que crimes do tipo não prescrevem.

Em depoimento Dalton Rigueira falou que Madalena decidiu parar de estudar e também não a considerava como empregada, mas sim, como membro da família. A vítima estudou até a terceira série do ensino fundamental.
Liberdade
Aos 46 anos de idade, a mulher negra, Madalena Gordiano, foi liberta de uma família de professores brancos. Em novembro de 2020, a liberdade bateu na porta de Madalena, que foi solta por auditores fiscais do trabalho e pela Polícia Federal (PF), em Patos, Minas Gerais (MG), após viver em condições semelhantes à escravidão por 38 anos.

No mesmo mês, Madalena passou a viver num abrigo para mulheres vítimas de violência, atualmente faz passeios sozinha, para alguns lugares que nunca frequentou e desconhecia a existência.
Sequelas psicológicas e físicas
A psicóloga Aline Fernandes destacou que, é lamentável uma pessoa passar 38 anos num ambiente semelhante à escravidão, e é uma situação complicada de compreender.
“É uma situação abusiva. Abuso financeiro, abuso psicológico, ou seja, em vários níveis. Quando uma pessoa passa por abuso, em suas defesas ficam confusas, e como forma de defesa se anestesia. Ela passa a encarar a situação como natural, e tente a reagir menos, no qual é um sinal que ela está sobre feito de traumas”, explicou a psicóloga.
Aline Fernandes disse ainda que seja necessário avaliar essa mulher, para saber as condições psicológicas depois de tanto tempo submetido a essas sequências de abusos.
“Será necessário avaliar como ela está conseguindo interagir, confiar e se relacionar com as pessoas, pois pode precisar de apoio para lidar com essa questão de sociabilidade”, disse.
A psicóloga ressalta que é uma oportunidade para observar essa questão do abuso, que muitas das vezes está próximo das pessoas, e as vítimas precisam de apoio, pois sozinhas não conseguem buscar ajuda.
Amazonas
A titular da Delegacia da Mulher, Débora Mafra (PSC), explicou que já existiu casos semelhantes de Madalena no Amazonas.

Débora Mafra conta que antes de se tornar delegada, presenciou casos de meninas trazidas do interior para estudar na capital, porém trabalhavam por um prato de comida.
“Essas meninas frequentavam à escola, mas não eram tratadas como filhas, como falavam a elas. Essas garotas vivem numa condição análogo de escravo. Hoje, desconheço algum caso”, disse a delegada.
A delegada destaca que, se alguém tiver conhecimento sobre algum caso semelhante a esses, denunciem, para ajudar essa vítima, para não passar 38 anos sem liberdade, esta que a constituição federal oferece.
“Tenho um alerta aos pais. Não acreditem que alguém está querendo ajudar seus filhos. Não deixem suas crianças na casa de alguém, achando que estão com boas intenções, pois pode acontecer o mesmo que ocorreu com Madalena em Minas Gerais. Vamos cuidar das nossas crianças, muitas boas intenções demonstradas, por de trás não é verdade”, alertou Débora.
Por Alessandra Aline Martins
Foto: Divulgação Globo
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